POLÍTICA
Documento da CIA sobre Geisel é 'estarrecedor', diz último coordenador da Comissão da Verdade
Memorando da CIA afirma que ex-presidente do regime militar autorizou execuções de opositores. Para Pedro Dallari, Forças Armadas deveriam 'reconhecer responsabilidade institucional'.
O Último coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV), o advogado Pedro Dallari, classificou nesta sexta-feira (11) como "estarrecedor" omemorando secreto da CIA (agência de inteligência do governo dos Estados Unidos) que revela autorização do ex-presidente Ernesto Geisel para execuções de opositores ao regime militar no Brasil.

A Comissão da Verdade encerrou os trabalhos em dezembro de 2014, quando apresentou relatório final que responsabiliza 377 pessoas por crimes cometidos durante a ditadura militar. Geisel é um dos 377 da lista da comissão.

Pedro Dallari afirmou que as Forças Armadas no Brasil deveriam "reconhecer responsabilidade institucional pelo que houve no ado".

O documento sobre Geisel, de 11 de abril de 1974, foi elaborado pelo então diretor da CIA, William Egan Colby, e endereçado ao secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger.

Tornado público recentemente pelo governo americano, o documento foi revelado nesta quinta-feira (10) pelo pesquisador Matias Spektor, da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Este é o documento mais perturbador que já li em 20 anos de pesquisa: Recém-empossado, Geisel autoriza a continuação da política de assassinatos do regime, mas exige ao Centro de Informações do Exército a autorização prévia do próprio Palácio do Planalto.

O memorando relata um encontro entre Geisel, João Batista Figueiredo, então chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), e os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino, ambos na ocasião no Centro de Inteligência do Exército (CIE).

O general Milton Tavares, segundo o documento, disse que o Brasil não poderia ignorar a "ameaça terrorista e subversiva", que os métodos "extra-legais deveriam continuar a ser empregados contra subversivos perigosos" e que, no ano anterior, 1973, 104 pessoas "nesta categoria" tinham sido sumariamente executadas pelo Centro de Inteligência do Exército".

De acordo com a documentação, Geisel "disse ao general Figueiredo que a política deve continuar, mas deve-se tomar muito cuidado para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados".

De acordo com Dallari, o memorando confirma conclusões a que a Comissão Nacional da Verdade tinha chegado no relatório final, no qual os cinco presidentes da República no período militar são apontados como responsáveis por violações aos direitos humanos durante o regime.

"É um documento [o memorando] estarrecedor, sem dúvida nenhuma, porque descreve com minúcia uma conversa que evidencia práticas abjetas e que um presidente da República com sua equipe tratou do extermínio de seres humanos", afirmou Dallari.

"O documento apenas comprova aquilo que a Comissão da Verdade já havia apurado e consta no relatório. As graves violações foram conduzidas pelos governos militares. Foi uma política estabelecida e conduzida pelos gabinetes presidenciais", completou o ex-coordenador da CNV.

Ainda segundo Dallari, o memorando sobre Geisel reforça a posição da Comissão da Verdade de que as Forças Armadas devem reconhecer a responsabilidade institucional pelas violações aos direitos humanos. Ele afirmou que as Forças precisam superar o argumento de que se trataram de atos individuais e sem coordenação.

"É fundamental que as Forças Armadas reconheçam a responsabilidade institucional pelo que houve no ado. As Forças Armadas têm que vir a público para dizer: 'Isso aconteceu'. Têm que superar a argumentação que foram casos isolados e sem coordenação. Têm que vir à luz para reconhecer que ocorreu, não deveria ter ocorrido e não vai mais ocorrer", disse Dallari.

O Ministério da Defesa e a assessoria do Exército informaram que os documentos sigilosos referentes ao período do regime militar foram destruídos (leia nota do Ministério da Defesa ao final desta reportagem).

Lei da Anistia

Dallari disse também que o episódio da revelação dos documentos da CIA deveria servir para o Supremo Tribunal Federal (STF) reavaliar a interpretação da Lei da Anistia.

Em 2010, o tribunal arquivou uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que questionava a validade da lei para casos de tortura e crimes comuns, cometidos por civis e agentes do Estado durante a ditadura militar.

A OAB entrou com um recurso no STF sobre a decisão, que ainda não foi analisado pelos ministros. Na opinião de Dallari, responsáveis por violações aos direitos humanos na ditadura devem ser processados na Justiça.

"Depende do STF a decisão sobre a possiblidade de julgamento daqueles que deram causa a essas graves violações, que praticaram atos diretamente por tortura, ou que têm responsabilidade institucional", afirmou o ex-coordenador da CNV.

"A nossa expectativa, da sociedade, agora, com uma nova composição, um STF mais sensível a preocupações da sociedade aprecie recurso da OAB e entenda ser cabível processamento e julgamento dos algozes", completou Dallari.

Nota do ministério

Leia abaixo a íntegra de nota divulgada pelo Ministério da Defesa:

O Ministério da Defesa informa, em consonância com mensagem já divulgada da assessoria do Exército Brasileiro, que os documentos sigilosos, relativos ao período em questão e que eventualmente pudessem comprovar veracidade dos fatos narrados foram destruídos, de acordo com as normas existentes à época - Regulamento para Salvaguarda de Assuntos Sigilosos - em suas diferentes edições.

11/05/2018
Fonte: Vitor Matos, G1, Brasília
 
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